Aceitei tua ajuda uma vez e agora não se contém da ãnsia em me dar atestado de incompetência.

Relutante, aceitei teu dinheiro uma vez. Por amar, pelos meus. E agora é alto o preço da sua boa vontade; o juro da tua mão-amiga feita em vidro de primeira corta fino na carne.

Contra mim, mesmo contra mim, aceitei tuas migalhas como ofertas de paz e, por troco, a tua falácia, o teu escárnio. Engulo sapos, cobras e lagartos, me deixo humilhar por vocês e agora me escondo por detrás da promessa que fiz de não te mostrar que sei da tua intenção ruim, o teu desejo mesquinho de subjugar. Desci demais para alcançá-los, para estar com vocês e compartilhar do seu chiqueiro de falsidades e pedras de granito mal disfarçadas de torrões de açucar cor de rosa.

Aceitei tua ajuda uma vez e agora querem me tirar, pedaço por pedaço, dia por dia, tudo o que eu tenho, tudo o que eu sou. Feito o deus dos judeus, o diabo cristão, o Banco Central; feito fogo amarelo que destrói todo o redor enquanto conforta e distrai. E cega. E dói.

Não sei.
Como fosse um forasteiro vindo de um não-lugar, qualquer lugar;
como se drogado, mas só do jeito ruim.
Acordado sem sentir, sem querer. Dormente.
Não conheço quem vejo nos vidros metalizados das lojas e dos carros importados daquele bairro sujo e morto de todos os dias.
Não reconheço a quase ninguém. Não vejo quase nada.
Já não sei ir.
Não sei.

O Decreto de Alice

De hoje em diante, não apenas paradas e marchas cívicas sem razão.
Serão realizados comícios, bebícios, desfiles e agitações por toda a cidade, por todo o país. 
O dia será declarado feriado nacional. 
Haverá um hino, um coro e choro pra caramba.
Sete de Setembro nunca mais será sem importância.
Nossas vidas também não.

Eu queria simplesmente ficar parado.
De olhos perdidos, fixos no nada ou fechados como os dos artistas prateados das praças.
Por horas.
Por dias.
Queria o prazer sutil de ser uma estátua-homem sem humor, sem palavra, sem trocados no chapéu manchado de metal cenográfico.