agosto 23, 2011

na chuva fria de novembro

A doença que nem ele sabia carregar o havia consumido em poucos dias no quarto sufocado de cigarros e remédios para dormir. Sozinho. Como jamais soube ficar; como sempre temeu. Ainda se acredita que o coração tenha desencadeado a coisa toda; mesmo grande, não era muito forte.
O pai distante sentia, mas não muito; não o bastante para atravessar a cidade. A mãe corroída pelas mágoas, pelo tempo e pela mesquinhez, se desfazia em lágrimas frias como a chuva daquela tarde e afundava na terra fofa e úmida de cemitério enquanto um eletrônico  berrava seu próprio desespero com "November Rain" como me havia feito jurar quando ainda éramos amigos; quando éramos irmãos.

agosto 20, 2011

bombons para quem?


Fazia calor naquele dia. Acho que era a última semana da primavera ou a primeira do verão, não tenho certeza. A cidade fervilhava com a chegada das estranhas máquinas de ferro e vapor que, segundo se anunciava, mudariam o rumo das coisas. As ruas tremiam com o movimento e as praças estavam apinhadas em tempo quase integral. Era o progresso e todos queriam o seu pedaço.
     
Natália caminhava a lentos, mas não menos eufóricos, passos em direção ao centro borbulhante. Olhando tudo. Querendo tudo.

Sua casa só de mulheres ficava no número doze de uma vila familiar no bairro mais próximo do rio que não era o principal, mas servia bem a quem morava por lá.

Toda quinta-feira, os estudantes do secundário se reuniam em frente à biblioteca municipal por volta das quatro da tarde. O destino final não era exatamente as salas de leitura, como se sabe. Mas eram apenas crianças com curiosidade e algum tempo livre. Não fariam nada que não tenhamos feito em maior grau. Era dia de reunião e era para lá que ela ia.

Fez o cominho de costume, subindo pela rua Sete e dobrando a esquina com a Três para descer o comprido e nada agradável trajeto até a turba.

Como era de praxe, passou pela "Muriel Bomboniere" para tomar a bênção de sua avó materna e se abastecer de uns bombons de licor furtados. Depois seguia para a lojinha com cheiro de serragem que a fazia espirrar mas era agradável. Ao avistar o oficineiro curvado sobre a tábua em que aplicava leves e longas passadas da plaina bruta, a menina repetiu o rito semanal de executar uma jocosa reverência ensaiada que consistia em suspender um pouco o vestido, não muito pomposo, enquanto dizia o seu cumprimento-bordão.

— Muito boa tarde, Senhor Carpinteiro.
— Muito boa tarde, Senhorita Morgado — respondia, curvando de leve a cervical e rindo-se.

Assim, a moça sorria com a satisfação e prosseguia com a descida.

Com a cabeça ainda erguida, o homem olhava distante na direção em que estivera sua visitante fiel. "Menina de ouro. Com certeza sentirei sua falta quando se for" pensava com ar de saudade.

É claro que o Sr. Carpinteiro tinha nome. Agora era Stenio e tinha servido à Marinha de seu país quando jovem - e até um pouco depois. Atualmente, prestava seus serviços aos moradores de toda a cidade e também visitantes de toda parte que estavam por ali atrás das novidades.

Após enviuvar, uns mais de vinte anos atrás, decidiu abandonar a farda e o rijo militar para dedicar-se aos ofícios da carpintaria. Não se sabe se pelo prazer da construção, por ser o passatempo favorito de sua esposa morta ou pelas boas moedas que lhe pagavam pelo trabalho. O certo é que o homem tinha mesmo talento.

Da oficina empoeirada, encaixada no finzinho da descida da rua Três, extraia qualquer coisa que pudesse ser feita de madeira, pregos e cola. Era um bom homem. Atencioso e prestativo. Mas qualquer bom sujeito tem seu fraco. O de Stenio eram as moças.

Era, também, sempre sorridente, com raras exceções como quando se lembrava da sua jovem e linda Clarice; como quando pensava no sangue morno sendo absorvido devagar pelo carvalho envelhecido daquele baú em que ele mesmo trabalhara por semanas para aquela mesma noite abafada de final de primavera.

agosto 12, 2011

Peco pelo excesso.
E pela falta.
E pela inércia.
Peco quase sempre.
Peco pelo pecado.
Por mim.
Para mim.

agosto 09, 2011

O que mais me machuca é te ver sofrer pelas inverdades mal colocadas que eu disse sem pensar naquele dia ruim.
O que mais me machuca é te machucar.

agosto 01, 2011

Abra os meus olhos, não me deixe cego.
Não me deixe assim, no escuro.
Eu iria a qualquer lugar com você.
Feche-os e vamos acabar despencando ambos.
Eu não sei andar assim.
Eu não sei andar...